Capítulo 1: O Encontro no Posto
Era uma madrugada fria de julho quando o caminhoneiro Antônio parou em um velho posto de gasolina à beira da BR-277, em algum ponto entre Campo Largo e Irati. Ele já conhecia aquela rota como a palma da mão, mas naquela noite, algo o fez parar ali. Talvez fosse a sede, talvez fosse o destino.
Foi quando a viu: Helena, a frentista de olhos doces e sorriso tímido, que acendia mais que qualquer farol na estrada. Com mãos habilidosas e voz suave, ela encheu o tanque do caminhão enquanto conversavam sobre o tempo, a estrada, a solidão de quem vive sobre rodas.
Aquela conversa, simples e leve, se estendeu por mais de uma hora. Antônio percebeu que algo diferente havia nascido ali. E Helena sentiu o mesmo. Dias depois, ele voltou. E voltou de novo. Cada parada se tornava mais demorada, até que ele não queria mais partir.
Em poucos meses, o amor floresceu como nunca antes. Casaram-se em uma cerimônia simples, com os colegas caminhoneiros de Antônio e os amigos do posto como testemunhas. Construíram uma casa perto dali, e logo vieram os filhos, uma bela família unida pelo amor e pelo asfalto.
Capítulo 2: A Lenda da BR-277
A BR-277, longa e sinuosa, era mais do que uma estrada. Era um santuário de histórias. E entre todas, uma se destacava: a maldição da sexta-feira.
Dizia-se que nas madrugadas de sexta-feira, uma presença antiga e sombria tomava conta de um trecho específico da estrada. Motoristas falavam de vultos atravessando o caminho, de gritos vindos da mata, de rádios que mudavam de estação sozinhos.
Havia até relatos de caminhões que quebravam misteriosamente sempre no mesmo ponto, como se a estrada escolhesse suas vítimas. Alguns falavam de um antigo acidente, outros de rituais esquecidos naquela mata densa. Mas uma coisa era certa: poucos tinham coragem de passar por lá àquela hora.
Antônio, embora escutasse com atenção, nunca deu muito crédito. Sempre foi mais cético que supersticioso.
Capítulo 3: A Decisão da Sexta-Feira
Naquela sexta-feira específica, Antônio sentia uma saudade avassaladora da esposa e dos filhos. Tinha prometido chegar cedo para o jantar, mas a carga atrasou e só terminou por volta das 23h.
Ele sabia o que diziam sobre aquela madrugada. Sabia que deveria esperar amanhecer. Mas o desejo de ver Helena e as crianças era maior do que qualquer lenda. “Besteira isso tudo…”, murmurou, ligando o motor.
Com os faróis cortando a escuridão da rodovia, partiu confiante. Mas algo no fundo do peito parecia dizer que aquela não seria uma viagem como as outras.
Capítulo 4: A Estrada da Aflição
Logo que entrou no trecho amaldiçoado da BR-277, a atmosfera mudou. O vento parecia sussurrar segredos entre as árvores. A névoa se adensava, tornando difícil enxergar além dos faróis.
Antônio apertava o volante com força. A estrada estava estranhamente deserta. Nem mesmo um farol distante. Nem um som além do ronco do motor e dos galhos batendo uns nos outros.
Foi então que ouviu. Um sussurro. Muito próximo. Dentro da cabine. Virou-se, mas não havia ninguém. Aumentou o volume do rádio, mas ele falhou, chiando em estática. Um calafrio subiu pela sua espinha.
A BR-277 mostrava suas garras.
Capítulo 5: O Pneu Furado
Em uma curva fechada, um som seco interrompeu a tensão: o pneu estourou. Antônio praguejou, estacionou no acostamento e desceu.
A noite estava mais fria do que antes, e o silêncio era opressor. Com lanterna na mão, ele se ajoelhou e começou a trocar o pneu. Cada som ecoava, amplificado pelo medo crescente.
Passos. Jurava ter ouvido passos atrás dele. Virou-se. Nada. Apenas a escuridão e o som de seu próprio coração acelerado.
Capítulo 6: A Segunda Pancada
Após vinte minutos, o estepe estava no lugar. Aliviado, entrou na cabine e tentou seguir viagem.
Menos de dois quilômetros adiante, outro estouro. O estepe também havia furado. Antônio parou bruscamente. Não havia mais solução. Estava preso ali. Na madrugada de sexta-feira. No trecho amaldiçoado.
Pegou seu celular: sem sinal. Procurou por ajuda. Nada. A estrada parecia abandonada pelo mundo. O desespero começava a se infiltrar em sua mente.
Capítulo 7: A Noite no Hotel Assombrado
Foi caminhando pelo acostamento que avistou uma construção antiga, com uma placa apagada pendendo de um lado: “Hotel Recanto das Araucárias”. Não lembrava daquele lugar existir ali.
Empurrou o portão enferrujado e entrou. A recepção estava coberta de poeira. Um sino antigo tilintou sozinho. Uma mulher apareceu atrás do balcão. Rosto pálido, expressão neutra. “Temos um quarto. Último andar. Corredor da direita.”
Subiu as escadas rangentes. O corredor estava mergulhado em penumbra. A porta do quarto 209 se abriu com um estalo. Dentro, o cheiro de mofo e móveis cobertos por lençóis envelhecidos.
Ainda assim, era abrigo. Antônio deitou-se, sem saber o que a noite lhe reservaria.
Capítulo 8: Os Horrores da Madrugada
Meia-noite. Um grito estridente ecoou no corredor. Antônio pulou da cama, suado. Ouviu passos correndo. Uma criança rindo.
Olhou pela fresta da porta: nada. Mas sentia a presença. As paredes do quarto tremiam levemente, como se respirassem. Um espelho rachou sozinho.
Sussurros vieram do armário. Aproximou-se, hesitante. Quando abriu, um vento gelado o lançou para trás. No chão, um urso de pelúcia ensanguentado.
Tentou sair do quarto, mas a porta não abria. Chorou, gritou, rezou. E a madrugada parecia não ter fim.
Capítulo 9: A Luz da Manhã
Os primeiros raios de sol atravessaram a cortina rasgada. Antônio despertou no chão. O armário estava vazio. O espelho, intacto. O urso, sumido.
Desceu as escadas correndo. A recepção estava vazia. Não havia sinal da mulher. Ao sair, viu seu caminhão estacionado ao lado do hotel. Pneus intactos.
Um mecânico passava por ali e ofereceu ajuda. Antônio, atordoado, apenas assentiu. Não falou sobre o hotel. Não conseguiria explicar.
Capítulo 10: O Retorno para Casa
Com o caminhão consertado, Antônio dirigiu até sua casa. Cada quilômetro era uma libertação. Quando Helena abriu a porta, ele chorou como uma criança.
Abraçou os filhos, beijou a esposa, e contou parte do que havia passado. O suficiente para explicar por que nunca mais viajaria à noite. Por que havia mudado.
O amor que sentia por sua família havia sido a única luz naquela noite de trevas.
Capítulo 11: As Marcas da Estrada
Anos se passaram. Antônio ainda viajava, mas evitava a BR-277 nas madrugadas de sexta-feira. Sempre que cruzava aquele trecho, uma sensação gélida o envolvia.
Nunca mais encontrou o hotel. Nem mesmo nos mapas. Outros caminhoneiros passaram por ali, mas não viram construção alguma. Era como se tivesse sido engolido pela estrada.
Mas ele sabia o que viu. O que sentiu. E sabia que seu amor foi mais forte que o medo. A BR-277 o marcou para sempre, mas também o ensinou o poder do verdadeiro amor.
E até hoje, em noites silenciosas, ele jura ouvir o sussurro da estrada… chamando por ele.