O Mandarim e a Carioca

O Mandarim e a Carioca O sol dourava os contornos do Pão de Açúcar quando Li Wei, um turista chinês de 32 anos, desembarcou no Rio de Janeiro pela primeira vez. Fascinado pela mistura de natureza vibrante e arquitetura pulsante, ele caminhava sem rumo certo, absorvendo cada detalhe da cidade maravilhosa. Mas em um deslize do destino, um passeio aparentemente inofensivo levou Li Wei a se perder em uma das muitas favelas do Rio.

Desorientado, sem domínio do português, com o celular sem sinal e os olhos cercados de becos e vielas desconhecidas, ele sentiu o coração acelerar. Foi então que ela apareceu: Camila, uma jovem moradora local, com os cabelos cacheados presos num coque despretensioso, brincos coloridos e um sorriso que iluminava até mesmo os becos mais sombrios.

— Tá perdido, gringo? — ela perguntou, franzindo o cenho com curiosidade e uma pitada de ternura.

Li Wei não entendeu as palavras, mas reconheceu a gentileza no tom. Apontou para o celular, fez um gesto de mapa, e ela entendeu. Camila não só o guiou de volta a um ponto turístico conhecido, mas decidiu acompanhá-lo até a praia de Ipanema, apresentando a cidade sob sua própria lente, com gírias cariocas, piadas rápidas e um entusiasmo contagiante.

Apesar das dificuldades na comunicação, uma conexão invisível, mas poderosa, começou a crescer entre os dois. Gestos, risos e olhares tornaram-se sua linguagem secreta. Usavam aplicativos de tradução, desenhavam em guardanapos e, quando tudo falhava, o silêncio entre eles falava mais alto.

Em poucos dias, o improvável floresceu: um amor puro, intenso e verdadeiro. Eles se beijaram sob o pôr do sol, caminharam de mãos dadas pela Lapa, dançaram forró mesmo sem ritmo e riram das tentativas de Li Wei de pronunciar “saudade”.

Mas o tempo é cruel com os apaixonados.

O visto de turista de Li Wei estava prestes a expirar. Com o coração apertado, ele prometeu:

— 我会回来。Eu vou voltar. Promessa.

Camila, segurando as lágrimas, acenou com a cabeça. Ela acreditava nele. Queria acreditar.

Nos meses seguintes, os dois tentaram manter contato. As mensagens vinham aos poucos, cada vez mais espaçadas. A diferença de fuso horário dificultava, e problemas técnicos aumentavam a ansiedade. Até que, de repente, os sinais começaram a sumir. Camila ouvia rumores estranhos vindos de amigos que conheciam pessoas da comunidade chinesa. Um acidente? Um desaparecimento?

O coração dela se encheu de angústia.

Até que, em um domingo chuvoso, alguém bateu à porta.

Ao abri-la, Camila congelou. Diante dela, estava Li Wei.

— Li…? — sua voz tremeu.

— Não… — disse ele, com lágrimas nos olhos — Meu nome é Li Zhang. Sou o irmão gêmeo dele.

O chão pareceu desaparecer sob os pés de Camila.

Zhang contou sobre o acidente de Li Wei. Um grave atropelamento em Pequim. Estava em coma, e a possibilidade de recuperação era incerta. Li Wei havia falado sobre ela inúmeras vezes, deixado cartas, desenhos… Ela era sua saudade.

Camila desabou. Chorou dias. Chorou noites. O amor da sua vida, agora tão distante e silencioso, só existia nas memórias.

Mas Zhang permaneceu. Respeitoso. Silencioso. Às vezes trazia fotos do irmão, às vezes lia trechos de mensagens que Li Wei nunca conseguiu enviar. A cada visita, Camila sentia algo estranho: uma mistura de conforto, saudade e algo mais. Zhang compartilhava os mesmos olhos, os mesmos gestos, até mesmo algumas manias.

Era como se, de alguma forma, Li Wei vivesse através dele.

O tempo, novamente, começou a costurar a alma de Camila.

Ela não sabia se era amor, ou se era uma tentativa de preencher o vazio. Mas sentia que seu coração batia por Zhang — não como substituto, mas como alguém novo, alguém que a fazia sorrir, que a entendia e que a respeitava profundamente.

Meses depois, sob o mesmo pôr do sol que abençoou seu primeiro beijo com Li Wei, Camila trocou alianças com Zhang. Entre lágrimas e sorrisos, entendeu que o destino, com suas curvas imprevisíveis, não tira sem dar algo em troca.

Porque, às vezes, o amor encontra novos caminhos para florescer

Autoria: Vagner Dias

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